Páginas

terça-feira, 6 de setembro de 2011

Alguma Coisa Sobre Ser Torcedor

Umas das coisas que sempre me chamou atenção é a paixão de algumas pessoas pelo futebol. Há muitas coisas que se possa pensar, no entanto, uma dessas coisas que me ocorreu, nestes fluídos de pensamentos, tentarei expor daqui em diante, com base na experiência adquirida em idas ao estádio de futebol, juntamente com toda a estranheza que a atitude de torcer, de certa forma, ainda me causa. Não só a mim, como também, em outros que acham que futebol é o “ópio do povo” etc. Há manifestações interessantes nos muros da cidade de Porto Alegre as quais exclamam “enquanto te exploram tu grita gol”. Há ainda uma porção de outras coisas do gênero que poderiam ser aqui enumeradas, contudo, não é este meu propósito.
Gostaria de chamar atenção para o fato de que ir a um estádio de futebol é, antes de tudo, uma atividade social; por mais que muitos não concordem. Existe, no momento da parida, a experimentação de um certo tipo de identidade; um fluxo coletivo que toma conta de todos e que é externado na hora em que sai o gol; não do time adversário obviamente. Neste momento, os pais de família, os estudantes, as mães, as namoradas, os maridos, as esposas, os filhos, os trabalhadores, todos estes, deixam de existir. Todas estas diferentes posições de sujeito, as quais ocupamos, desaparecem e, então, ingressamos na grande massa; no sujeito coletivo e passamos a assumir o papel de torcedor.
Em um primeiro momento – e nisso que acreditei até algum tempo –, temos a impressão de que fazemos o movimento de nos deslocar para a posição de torcedor, como se quiséssemos fazer parte de algo maior, para além do nosso “insignificante” eu. Ao fazer parte de uma coletividade elaboramos, para nós mesmos, uma autodefesa contra as “agressões” da vida cotidiana, buscamos conforto, onde ele possa existir, nesta relação, nos trazendo, ainda, o beneficio maior que seria poder dizer aos quatro ventos” eu faço parte de...” Não percebia que tudo isso era um equívoco.
Pessoas mudam de partido político, mudam de religião, trocam de companheiros ao longo da vida, mudam o estilo musical; enfim, mudam seus hábitos, mas não mudam de time de futebol. Ser torcedor, neste sentido, constitui uma espécie de “radical” de nossa identidade, ou seja, aquilo que não muda. Ser torcedor, deste ou daquele time, faz parte da maneira pela qual nós nos colocamos no mundo e que, portanto, nos define. No Rio Grande do Sul, por exemplo, há no futebol, em nível de torcidas majoritárias, a polarização entre gremistas e colorados. A definição que se busca, em ambos os lados, caracteriza-se pela expressão “eu sou” (isto ou aquilo).
A expressão usada e a forma como se organiza a pronúncia da frase diz muito, embora, não pareça. Nenhum torcedor se define dizendo “eu faço parte da torcida X ou Y.” Ao responder a pergunta ele dirá “eu sou X ou Y.” Logo, o que se pode pensar é que nós nos projetamos sobre as coisas as quais julgamos ser de nossa predileção e ela passa a integrar parte do nosso eu. Assim, nos tornamos maiores do que realmente somos. Para muitas outras coisas, usamos pronomes possessivos para buscar referência como, por exemplo, meu carro, minha casa, meu trabalho, minha família, meus amigos e assim por diante.
Estendemos-nos sobre outras coisas e as tomamos como parte de nós, de modo análogo, como se fosse um órgão vital. Esta ampliação de nosso eu engloba, também, o time pelo qual torcemos. E nesta relação, o fenômeno é ao contrário do que eu acreditava. Não somos nós que fazemos parte do time ou do conjunto de torcedores X ou Y, e, sim, o time e o conjunto de torcedores que fazem parte de nós como constituintes do que somos; material e simbolicamente.
Por esta razão, ouvimos falar de torcedores que protestam quando o time não vai bem; briga entre torcedores etc. Tudo isso porque é esta parte de nós que quando está sofrendo algum tipo de ameaça precisa, rapidamente, ser socorrida. As manifestações, neste sentido, muitas vezes, são tomadas como ato puramente irracional, contudo, acredito que são atitudes pensadas, calculadas, medidas e pesadas que atuam no sentido de resgatar a honra, como se alguém tivesse colocado em risco nossa integridade física.
O ato de torcer por um time de futebol posiciona uma parte de nós no mundo e, portanto, dá sentido a nossas, ou ao menos para a vida de alguns. Embora que aqui pareça haver proselitismo em favor do futebol, na verdade, se alguém pensou isso, não é esse o propósito deste escrito. Quando nos propomos a entender certos fenômenos é necessário, antes de tudo, abandonar alguns modelos, preconceitos, ideias a priori e assim por diante. Evidentemente, futebol é um assunto complexo e inesgotável, no entanto, intentar perceber algumas de suas características às vezes se faz preciso.
É uma atividade social, antropológica e, também, histórica. Também é cultura popular e um negócio milionário. Uma verdadeira indústria de jogadores, treinadores, uniformes, marketing e tudo o quanto possa ser convertido em renda para os times. Enfim, tudo isso faz parte de nós e, por isso, é tão difícil emitir opiniões não passionais, tanto em favor quanto contra o futebol.

2 comentários:

  1. Max, por favor: TEXTO MARAVILHOSO!! Vou reler várias vezes. Inteligente, perspicaz, compassivo, espera aí que vou lá buscar mais uns adjetivos...

    ADOREI!

    ResponderExcluir